4 de setembro de 2015

Sobre haréns em JRPGs

Uma categoria de games que eu sempre gostei muito são os JRPGs (Japanese Role-Playing Games). Até já escrevi sobre isso no meu blog pessoal (foi antes de eu ter o blog de games). Só que, como fã da Nintendo e como alguém que pulou a geração 16-bits, meu acesso ao gênero sempre foi meio limitado. O único Final Fantasy da série principal que eu joguei, e nem cheguei a terminar, foi o primeiro (joguei alguns spin-offs, como Final Fantasy Tactics Advance). Dragon Quest, só o III (no GBC, e ainda era chamado de Dragon Warrior) e o IX (no DS). Chrono Trigger, só no DS, e nunca joguei Chrono Chross. Lunar? Phantasy Star? Suikoden? Série Mana? Não joguei nenhum deles. Sim, eu sou uma vergonha. (Nota: estou pondo links para as séries que acho serem menos conhecidas, para quem quiser mais informação)

Mas, ainda assim, sou um grande fã de JRPGs. Fire Emblem, a série Tales of, Pokémon, The World Ends With You, Fire Emblem, o próprio Chrono Trigger, Xenoblade Chronicles, The Last Story, Fire Emblem, os RPGs de Mario, Radiant Historia (um JRPG desconhecido mas muito bom do DS, recomendo), Golden Sun e, é claro, Fire Emblem, entre outros, me tornaram um grande fã de JRPGs e são uma parte importante da minha vida como gamer.

OBS.: Estou incluindo TRPGs (Tactical Role-Playing Games) japoneses, como Fire Emblem, Final Fantasy Tactics e Ogre Battle no termo JRPG para facilitar o ponto que quero chegar neste texto, por mais que eu encare eles como duas categorias diferentes. Não discutam. Por favor. Obrigado.

Só que, por um bom tempo, existiu esse tipo de JRPG que eu joguei muito pouco e que eu sempre tive uma certa fascinação: JRPGs com harém. Ou melhor, JRPGs com elementos de dating sim, ou mesmo dating sims em geral, outra categoria de games que joguei muito pouco.

Por causa disso, comprei dois jogos para o 3DS que são JRPGs com harém: Conception II: Children of the Seven Stars (C2:CSS) e Lord of Magna: Maiden Heaven (LoM:MH). Após jogá-los por algum tempo, cheguei a uma conclusão: eu não nasci para jogar JRPGs de harém. Ou melhor, para eu gostar desse tipo de jogo, ele tem que ser de um jeito específico, senão eu fico profundamente incomodado e não consigo continuar jogando.

Para explicar melhor isso, vou começar deixando minhas impressões iniciais dos dois jogos. Não me considero apto a escrever uma análise/review deles por não ter terminado-os (C2:CSS por ter desistido e LoM:MH por ainda estar no começo, mas pelo menos ele eu pretendo terminar), por isso, por mais que eu tenha parado de jogar C2:CSS em junho do ano passado (obrigado, Activity Log do 3DS), prefiro escrever impressões iniciais dos dois.

Conception II: Children of the Seven Stars




Desenvolvedora: Spike Chunsoft

Distribuidora: Atlus

Plataformas: 3DS e PS Vita

Preços (na data deste post):

• 3DS: US$29,99 no eShop, mas os jogos da Atlus vivem entrando em promoção, dá pra comprar por menos.

• PS Vita: R$179,00 no Walmart Brasil. Aparentemente, é preciso comprar o disco, ele não tem versão digital, e foi o único lugar no Brasil que eu achei o jogo à venda.

Tempo jogado: 64 horas jogadas num período de cerca de 2 meses e meio, de acordo com o Activity Log do 3DS. Demorei para desistir, mas é que queria fazer valer o preço que paguei.

O que é este jogo? Bem, caso não tenha ficado óbvio o bastante até agora, é um JRPG de harém, ou seja, com elementos de dating-sim. Se bem que eu acho que ele é mais um dating-sim com elementos de JRPG. Acho melhor explicar por partes.

Primeiro, a parte JRPG: você controla uma party, explora dungeons, enfrenta monstros, ganha experiência, sobe de nível, aprende habilidades novas e assim repetidamente até você matar deus ou coisa parecida com o poder da amizade e/ou do amor. Não sei exatamente porque não terminei. Ele é mais dungeon crawler, tanto que nem há um mundo para explorar, tem a Academia onde se passa a maior parte da história como hub central e de lá você é transportado direto para os dungeons. Ah, e os dungeons são gerados randomicamente, cada vez que você entra neles a disposição das salas muda. As batalhas são de turno, e tem uma mecânica de posicionamento, que o lugar onde seu personagem está em relação ao monstro pode causar mais ou menos dano. Existe ainda mais uma sacadinha, que eu vou explicar mais pra frente.

Segundo, a parte dating-sim: você controla um personagem homem e existem sete heroínas que fazem parte da sua party (não ao mesmo tempo, você só pode levar uma de cada vez consigo nos dungeons), e você pode ir aumentando sua afinidade com elas e habilitando ceninhas até conquistar uma e fazer o final específico dela. Mas esse aspecto não fica preso apenas à história do jogo, aumentar a afinidade com as heroínas afeta um aspecto da jogabilidade JRPGzesca, mais especificamente, da sacadinha. Que eu vou explicar depois.

Terceiro, o mundo do jogo: em Aterra, a humanidade se encontra em guerra contra uma raça de monstros que surgiram de portais chamados “Dusk Circles” há vinte anos. Os únicos capazes de combatê-los são os “Disciples”, jovens que possuem a marca divina do “Star God”. Quando a marca divina surge em seu corpo, o jovem é enviado à Academia, onde é treinado para combater os monstros, e é onde se passa a história do jogo.

Quarto, o papel do seu personagem no esquema geral das coisas: aqui que as coisas começam a ficar problemáticas, pelo menos para mim, pois o herói da história é o lendário “God’s Gift”, o presente divino enviado por deus para salvar a humanidade dos monstros. Ok, sim, existem diversas histórias onde o personagem principal é um escolhido por um deus/destino/profecia/jogo de palitinho e só ele pode salvar o mundo, até aí, tudo bem. O problema é como o God’s Gift exerce seu papel de salvador, que é justamente a grande sacadinha do jogo. Que eu finalmente vou explicar. Agora.

Quinto, a sacadinha do jogo: o God’s Gift é uma fonte aparentemente infinita de “Ether”, e com a ajuda da tecnologia das bonecas “Matryoshkas” ele consegue, através de um ritual de “Classmating” com uma discípula, criar “Star Children”, entidades divinas que possuem poderes para enfrentar os monstros lado a lado com os “Disciples”. Esses “Star Children” completam a sua party, e possuem todo um sistema de classes e status baseados nas afinidades da mãe. Ah, e as únicas discípulas capazes de sincronizarem 100% com o God’s Gift são as sete heroínas/pretendentes, e quanto maior a sua afinidade com elas, mais fortes serão os Star Children.

Sim, a sacadinha do jogo é você basicamente transar com as heroínas e ficar usando sua prole como soldados para salvar o mundo.

O pior é que o jogo nem tenta disfarçar que é um paralelo com sexo. Presta atenção na música:

Com o desenrolar do jogo, as ceninhas com as garotas gozando ficam mais compridas.

Mais pra frente, para melhorar ainda mais esse simulador de fantasias pré-adolescentes masculinas, você habilita “Trimating”, onde você faz o ritual com duas garotas ao mesmo tempo.

Mas o jogo não é um grande simulador de fantasias pré-adolescentes masculinas exclusivamente heterossexuais, também é habilitado, depois de algum tempo, o ritual de “Classmanting”, onde o God’s Gift tem Star Children com outros homens. É a funcionalidade multiplayer dele, você não faz esse ritual com os demais personagens masculinos do jogo, mas com outros jogadores. Parece um pouco com trocar Pokémons, uma funcionalidade que busca beneficiar os dois jogadores ao invés de criar uma competição. A principal diferença em relação ao ritual com as garotas é que os Star Children ganham mais experiência em batalha mas possuem um nível máximo mais baixo.

Agora que eu estou pensando, esse ritual de “Classmanting” pode ser um meio de um garoto se aproximar mais de um amigo que também tem o jogo e descobrir mais sobre a própria sexualidade. Se essa era a intenção dos desenvolvedores, eles estão de parabéns, mas considerando todo o resto do jogo, com seus fan services e boob physics, acho que é mais provável isso ser uma conseqüência inesperada do que algo propriamente planejado.

De qualquer maneira, voltando à pergunta “o que é este jogo?”: resumidamente, é um JRPG focado em dungeon crawling com um elemento grande de dating sim onde você é o escolhido e tem filhos com as garotas do jogo para usá-los como soldados para salvar o mundo.

Eu devia ter lido mais sobre o jogo antes de ter comprado-o.

E aí? Sendo bem sincero, no começo eu estava gostando bastante do jogo, os personagens eram meio ralos mas divertidos o bastante, e o excesso de fan service não estava me incomodando tanto. O que eu realmente estava gostando era a parte de dungeon crawling. Como adoro ficar fazendo grinding e subindo o nível da party até o jogo ficar fácil demais e perder a graça, eu estava me divertindo bastante, além do fato dos dungeons mudarem cada vez que eu entrava neles, deixando a experiência menos repetitiva.

O que me brochou com o jogo foi justamente a história e a parte dating sim, até chegar num ponto que eu não conseguia mais me importar e desisti de continuar. Eu ainda vou elaborar melhor o que me incomodou, depois que eu falar do outro jogo, mas só para fechar estas impressões, este é o meu veredito: é um dungeon crawler competente com uma história medíocre e os elementos de dating sim mais realçam os problemas da história do que acrescentam para a experiência.

Vamos para o próximo jogo.

Lord of Magna: Maiden Heaven




Desenvolvedora: Marvelous

Distribuidora: XSEED Games (eu sei que a XSEED é o braço americano da Marvelous, mas como há a separação das duas pelas internets, resolvi deixar separado aqui também)

Plataforma: 3DS

Preço (na data deste post): US$39,99 no eShop

Tempo jogado: Cerca de 15 horas espalhadas por 10 dias, de acordo com o Activity Log do 3DS

O que é este jogo? Novamente, é um JRPG de harém. Sendo mais preciso, ele é um TRPG japonês de harém, focado principalmente nas batalhas e em estratégia e com os elementos de dating sim em segundo plano.

As batalhas funcionam assim: você começa com uma party de quatro personagens em um mapa com diversos inimigos. De acordo com o status de velocidade de cada unidade em campo, cada um tem o seu turno, podendo se mover pelo cenário e executar uma ação, que pode ser atacar, usar uma habilidade especial, defender, usar um ítem ou passar o turno. Por enquanto, é um TRPG de estratégia de turno básico.

Aí entra a sacadinha deste jogo: boliche. Funciona assim: cada mapa possui muitos, mas muitos inimigos. Não é incomum uma fase ter mais de cinqüenta inimigos contra o seu time de quatro. Só que a maioria deles é muito fraca, basta um ataque seu que eles saem voando. Aí entra a parte estratégica bolichesca: a idéia é derrubar a maior quantidade possível de inimigos com um único ataque, o que aumenta a sua recompensa (dinheiro, ítens) e, se você consegue um “strike” (derrubar 10 ou mais inimigos com um único ataque - o jogo não chama de strike, mas o paralelo é bem claro) você ganha um turno extra. E, para manter viva a diversão de ver um monte de monstrinho voando, existem unidades líderes que podem invocar mais unidades bostinha para você continuar mandando tudo pros ares. É bem divertido, tem fase que eu deixo os líderes ficarem acumulando bostinhas para eu mandar uns vinte ou mais voando.

Ah, e para não parecer que cada rodada demora meia hora para acontecer, cada grupo de inimigos (um líder mais os bostinhas invocados por ele) conta como uma unidade na contagem dos turnos. Por exemplo: minha espadachim tem o turno dela, depois a minha cientista, daí o urso e seus oito ursinhos bostinha, daí é o turno da minha arqueira.

A parte dating sim do jogo é bem simplificada, sendo basicamente escolher com qual das heroínas você quer ter uma ceninha entre um evento grande da história e outro. Até onde eu percebi, não tem barrinha de afinidade nem nada, é só chamar a escolhida para conversar/sair e pronto, ela gosta mais de você e é habilitado um golpe novo dela. Pelo menos é o que me parece até onde eu estou no jogo.

Quanto à história do jogo…

E aí? A história é o que está mais me incomodando no jogo, e é o que me impede de recomendá-lo para todo mundo que gosta de TRPGs japoneses.

Tudo começa com o seu personagem, dono de um hotel em uma ilhota perdida que nunca teve sequer um hóspede, indo colher cristais numa caverna para complementar a renda, já que cristais em um JRPG. Lá, ele encontra uma garota presa num cristal maior e um pedestal com um bracelete tchã-nã-nã, e depois de um terremoto ele acorda com o bracelete no braço e cercado de monstros, quando ela sai do cristal e o salva. Depois desse episódio, descobrimos que a garota perdeu a memória, que existem outras como ela para serem encontradas, que existe uma profecia e deuses e blábláblá de JRPG (pode parecer que estou desmerecendo JRPGs, mas não, estou tirando sarro dos clichês do gênero e, no fundo, até gostos dos clichês). Ah, e que o personagem principal é o herdeiro do criador das garotas (elas, na verdade, são semi-deusas criadas por humanos com a ajuda dos deuses), escolhido pelo bracelete para ser o mestre e senhor delas, tanto que é daí que vem o título do jogo, já que ele usa o bracelete para fortalecê-las com “Magna”.

Assim chegamos no grande problema que tenho com LoM:MH e com C2:CSS e que é o que me fez perceber que JRPGs de harém não são para mim: o papel do personagem principal na história toda. Eu entendo o personagem principal ser o escolhido ou coisa parecida, mas eu realmente fico incomodado quando esse tipo de premissa alimenta um dating sim/harém: a história basicamente transforma o personagem principal na única fonte possível de felicidade das heroínas e que ele merece o amor delas simplesmente por ser o escolhido.

Acho que vou começar a chamar meus personagens de jogos assim como “Fedora”.

O Único Homem Perfeito do Mundo™


Antes de começar, só quero deixar claro que não estou falando do Hugh Jackman, ele é O Homem Mais Magnífico do Mundo™. São títulos parecidos, mas diferentes.

Não que ele não mereça os dois.

Seguinte: tanto em C2:CSS e LoM:MH, o seu personagem não apenas é o escolhido, ele é o grande motivo da existência e do que faz as heroínas serem especiais. Sem você, elas não são nada, mas servindo você como incubadora de soldados em C2:CSS e como guerreiras sob suas ordens em LoM:MH, elas possuem valor para a sociedade.

E isso é ridículo.

Primeiro por uma questão muito simples: não é para reduzir o valor de uma mulher à “aquilo que ela consegue fazer para/com seu homem.” Sério, já era para nós enquanto sociedade civilizada ter deixado esse tipo de pensamento para trás. Eu nem sei o que mais acrescentar, de tão óbvia que essa idéia devia ser. Acho que eu vou simplesmente repetí-la: mulheres são seres humanos com valores e idéias próprias e não existem única e exclusivamente para servir aos propósitos de um homem, assim como não é o que um homem consegue ou pode fazer com uma mulher que define o valor dela. Deu pra entender? Por favor, digam “sim”. Obrigado.

Ok, leitor-que-também-jogou-esses-jogos, eu sei que existe uma história para cada heroína em C2:CSS, onde a Fuuko tem que ajudar uma fantasma a encontrar a luz e a Ellie na verdade é uma espiã e sei lá o que mais em relação às outras que eu não estou lembrando agora, eu sei disso, mas isso não muda o fato que o papel mais importante delas nesse universo é ficar parindo soldados com o God’s Gift. Assim como eu sei que cada uma das heroínas de LoM:MH têm seus sonhos (acho, não avancei tanto assim no jogo) e suas personalidades, e que o personagem principal fica martelando uma questão deles todos terem se tornado uma família feliz (um dos capítulos do jogo efetivamente se chama “Happy Family”) e ohana e sei lá o que mais, mas ainda assim não consigo deixar de achar que o único objetivo da vida delas, aquilo que realmente vai torná-las completa, é a aceitação e o amor do personagem principal.

Assim como eu também sei que posso estar enganado e exagerando, ou mesmo procurando problema onde não há, mas a questão é: eu fiquei sinceramente incomodado com a maneira como os dois jogos trataram o papel do personagem principal em relação a o que faz as garotas serem especiais. Se você acha que é um problema só meu, ok, pode até ser, mas eu realmente sinto a necessidade de apontar o que senti em relação a isso. Até porque a questão sexista é só a primeira coisa que me incomodou.

A segunda questão tem a ver com a facilidade da jogabilidade dating sim dos jogos.

Seguinte: eu não conseguia ver o menor propósito em nada do que eu fazia para conquistar as garotas porque todas elas claramente já estavam completamente apaixonadas pelo meu personagem. Era só falar “oi” que elas já começavam a se derreter e enrubescer e querer ser tocadas e sei lá o que mais.

É como se eu estivesse jogando sendo o Hugh Jackman e
todos os 
controles executassem a ação "sorrir".

Existe algo a ser dito sobre jogos que são fáceis demais: eles tendem a ficar chatos. Isso não quer dizer que quanto mais difícil um jogo, melhor ele é, mas que um mínimo de desafio aumenta nosso interesse nele, superar obstáculos aumenta nossa imersão e nosso apego ao jogo e seus personagens.

Mas nesses dois jogos o desafio de conquistar as garotas era nulo. Logo, eu ficava de saco cheio, era só uma questão de escolher qual garota priorizar em cada momento da história e ficar manejando a barrinha de afinidade de cada uma.

OBS.: Caso pareça que eu estou tratando “conquistar mulheres” como um “desafio a ser vencido”, quero deixar claro que estou falando do universo dos jogos de dating sim, onde “conquistar um parceiro” é o “desafio a ser vencido”, é a razão de ser do jogo, e não do mundo real, onde essa visão de mundo é uma merda nociva que devia desaparecer para todo o sempre. Podemos até levantar a questão se deviam existir tais jogos, se eles incentivam essa visão simplista e tóxica de relacionamentos amorosos ou são apenas um entretenimento inofensivo, mas vamos deixar isso para outro dia. No momento, estou falando desses dois jogos e como eles não souberam, pelo menos na minha opinião, trabalhar o desafio proposto por eles de conquistar uma parceira.

E sabe o que criava essa situação onde todas as garotas estão completamente apaixonadas pelo herói? O fato dele ser O Único Homem Perfeito do Mundo™, a grande razão de ser delas, aquele que permitia-as ter algum valor na sociedade. Ou seja, o próprio plot da história atrapalhava o desafio. É o que muitas pessoas reclamam do Superman, que ele é perfeito demais, e por isso é difícil se relacionar com ele e se interessar nas histórias dele. Essas pessoas estão claramente erradas e não entendem lhufas sobre o Superman, mas o argumento delas é verdade, principalmente num jogo: é difícil se relacionar com alguém que é perfeito e não precisa se esforçar para conseguir o que quer. Por isso que eu fiquei entediado de controlar Super Jesus Jackman para conquistar alguma garota nesses jogos, porque é só o personagem estalar os dedos que pronto, ele arranjou uma (ou várias) namorada(s).

Se o próximo dating sim que você jogar tiver ele como personagem principal, saiba que vai ser bem fácil.

Assim chegamos no meu terceiro e último problema nessa história toda, e o que realmente me inspirou a escrever este post, e eu vou soar tremendamente escroto agora: a partir do momento que a história deixava claro que a felicidade dessas garotas dependia única e exclusivamente do meu personagem, eu começava a me sentir mal de ter que escolher apenas uma e deixar todas as outras frustradas e incompletas.

Nossa, como isso soou escroto.

Deixem-me tentar de novo, agora de maneira mais ampla: eu gostaria de fazer a maior quantidade de personagens possível feliz, se não todos, mas infelizmente o jogo não me permite, fazendo com que eu tenha que escolher apenas uma.

“Mas a vida é assim, não dá pra deixar todo mundo feliz. E você esperava o quê de um dating sim?”

Eu esperava que eles fossem mais que nem o primeiro jogo com elementos de dating sim que joguei e que acabou moldando minha visão de como eles devem ser: Harvest Moon 64.

O Melhor Jogo de Fazenda de Todos os Tempos da História de Tudo™


Se alguém acha que eu estou falando de Farmville ou Fazendinha Feliz, me faz um favor e sai correndo de cara na parede.

Deste jeito. (vídeo original)

Agora, se você é uma das raras pessoas afortunadas o bastante para ter jogado Harvest Moon 64, ou mesmo qualquer jogo da série, meus parabéns e bem-vindo ao clube.

Para deixar claro, estou falando da série de jogos japonesa Bokujou Monogatari (牧場物語), criada por Yasuhiro Wada e que agora se chama Story of Seasons aqui no ocidente, e não a série criada pela Natsume que agora detém o nome Harvest Moon (para quem não sabe, houve uma certa briga entre a distribuidora americana, a Natsume, e a desenvolvedora japonesa, a Marvelous, levando a esse racha, onde a Natsume ficou com o nome e a Marvelous começou a distribuir com a sua divisão americana, a XSEED). Como eu acompanhei a série desde o Nintendo 64 como Harvest Moon, não consigo desprender o nome da série japonesa, então quando eu falar Harvest Moon, estou falando de Bokujou Monogatari, ok? Ok.

Para quem não conhece Harvest Moon, é um simulador de vida na fazenda, onde você cuida das suas plantações e dos seus animais, pesca, participa de festivais e eventualmente casa e tem filhos. Cada jogo novo da série foi acrescentando novos elementos, como abelhas, animais selvagens e até mesmo um circo, mas o núcleo central da série se manteve o mesmo.

Arte da caixa d'O Melhor Jogo de Fazenda de Todos os Tempos da História de Tudo.

De todos os Harvest Moon que eu joguei, o meu favorito continua sendo o 64. O fato de ter sido o primeiro que eu joguei influencia muito, mas também existe o fator simplicidade nele, onde você simplesmente rega as plantas para elas crescerem, dá presentes para o pessoal da vila para fazer amizades, escova os bichos para eles ficarem felizes e assim por diante. Os jogos futuros começaram a querer complicar demais, acrescentando coisas como pontos de sol e de chuva, animais que morrem (os do 64 eram imortais) e catástrofes naturais que precisam ser evitadas ajudando a deusa da colheita, entre outras.

Como o meu primeiro contato com mecânicas de dating sim, na primeira vez que eu joguei, foquei apenas em dar presentes para a garota que escolhi (a Popuri) e pronto, ignorando não apenas as demais pretendentes como o resto da vila. Mas, depois de algum tempo, fiquei com aquela sensação de que estava jogando o jogo incorretamente (tenho muito disso, futuramente volto ao assunto), então fui ver nas internets da década de 90 o que eu devia estar fazendo.

Foi quando eu descobri que dava para dar presentes para todo mundo na vila, não apenas a sua escolhida (também aprendi o valor da estufa, construir ela cedo no jogo faz muita diferença). Conseqüentemente, deletei meu save e comecei tudo de novo.

E o jogo ficou muito mais legal.

O pessoal da vila começou a falar outras coisas, mais alegres, até me davam presentes de vez em quando e eu me sentia melhor comigo mesmo, tanto no mundo real quanto no jogo. Sei lá, eu realmente fiquei imerso nessa realidade fugere urbem e gostava de ser legal com todo mundo.

Mas outra grande diferença que ocorreu foi que, depois de eu ter casado (desta vez com a Elli), todas as outras moças se casaram também, com outros caras que também moravam na vila (e eram meus amigos).

Basicamente, eu consegui deixar todo mundo feliz na vila (menos o Jeff, que seria quem ia casar com a Elli, mas o Jeff que se foda, ninguém gosta do Jeff, esse tosco).

Por causa disso, desde então eu fico com essa mentalidade de “deixar a maior quantidade de personagens felizes”.

É por isso que eu me acabei de tanto jogar Animal Crossing no Gamecube, afinal eu tinha porque tinha que deixar aquele bando de animais incompetentes felizes e satisfeitos o melhor que eu pudesse. É por isso que eu faço questão de fazer todos os personagens do meu exército em todos os Fire Emblems que eu joguei chegarem ao nível máximo de amizade/relacionamento amoroso com pelo menos uma outra pessoa. É por isso que eu crio desafios como “os três dias da marmota de Termina” em Majora’s Mask.

E é por isso que eu fico incomodado com jogos onde a única fonte perfeita de felicidade absoluta dos personagens é ficar com o herói e nada mais, pois apenas um personagem vai conseguir isso e todos os demais vão continuar incompletos e infelizes, pois tudo na vida deles gira em torno do O Único Homem Perfeito do Mundo™.

As demais moças da vila de Harvest Moon 64 tinham uma vida além de interagir comigo, tanto que elas conhecem, se apaixonam e se casam com outros caras, caras que eu conheço e sei que são gente boa e que também tem uma vida interessante e independente de mim.

Conclusão


Sim, eu sei que são só personagens fictícios em um mundo fictício com relacionamentos exageradamente fictícios. Mas ainda assim, eu me incomodo.

Me incomodo que o universo e a história do jogo estão tratando mulheres como se fossem acessórios d'O Único Homem Perfeito do Mundo™, me incomodo com a falta de propósito e a facilidade de conquistar minhas pretendentes sendo O Único Homem Perfeito do Mundo™ e me incomodo que só posso deixar uma única pessoa feliz porque todas as outras não possuem nada mais na vida além de servir O Único Homem Perfeito do Mundo™.

Comecei o texto falando que, para eu gostar de um JRPG de harém, ele tinha que ser de um jeito específico.

Ele tem que ter pretendentes com uma vida independente do protagonista.

Porque eu acho que é isso que me incomoda, no fundo: quando todas as heroínas só existem para servir O Único Homem Perfeito do Mundo™. E não precisa ser assim. Harvest Moon 64 foi melhor, e é um jogo que lançou em 2000.

Harvest Moon 64 era perfeito? Um grande marco feminista no modo como tratava as mulheres? Sendo bem sincero, não. As pretendentes eram bem ralas e meio estereotipadas (a tsundere, a tímida leitora de livros, a tomboy, etc), mas pelo menos elas tinham mais o que fazer caso você, O Rapaz Esforçado Cuidando da Fazenda que Herdou do Avô™, casasse com outra.

Afinal de contas, tá pensando que é quem? O Único Homem Perfeito do Mundo™?

Links


Site oficial de Conception II: Children of the Seven Stars

Site oficial de Lord of Magna: Maiden Heaven

Ushi no Tane (O Melhor Fan Site de Harvest Moon™)

28 de agosto de 2015

Sobre a diferença entre DLC e microtransactions

DLCs e microtransactions. Dois assuntos que permeiam o universo dos games desde que foram introduzidos, principalmente quanto aos seus custos e sua honestidade. Já foram discutido exaustivamente por trocentos outros sites, blogs, vídeos e sei lá o que mais. Até eu já falei sobre. Duas vezes. Mas, como eles voltaram à tona por causa de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (MGSV:TPP), resolvi voltar ao assunto.

E sim, eu vou usar os termos em inglês, DLC para DownLoadable Content e microtransaction ao invés de microtransação. Mais por achar que os termos são mais conhecidos em inglês que por algum descontentamento com nossa língua pátria. Paciência.

Seguinte: de acordo com um dos avaliadores de MGSV:TPP, o modo multiplayer chamado Forward Operating Base, onde o jogador constrói uma base e pode invadir bases de outros jogadores, está travado e só poderá ser habilitado sendo comprado. Com dinheiro. De verdade.
Foto: como não comprar DLC. Tanto porque se você fizer isso você vai estragar o seu console
quanto porque as moedas de Mario não são dinheiro de verdade.

Mais tarde, a Konami veio a público para afirmar que o modo em questão não vai ser bloqueado, mas que ainda assim existirão microtransactions para acelerá-lo. Imagino que isso signifique que você pode comprar facilitadores, como armas ou unidades para a sua base.

Todavia, era tarde demais: muita gente ficou irritadíssima com a perspectiva de comprar um jogo de sessenta dólares e ainda (possivelmente) ter que gastar mais em microtransactions para “acelerar” um modo dele.

Só que no meio disso tudo me surgiu uma questão: porque as pessoas ficam tão irritadas com microtransactions mas aceitam (ou melhor, aceitam mais, comparativamente falando) DLCs? Enquanto pensava nisso, uma outra questão ainda mais fundamental surgiu: qual é a diferença entre microtransactions e DLCs?



Sim, eu sou uma vergonha como gamer e como blogger de games. Afinal, todo mundo sabe a diferença. Até mesmo os monges tibetanos.

Porém, antes de eu começar a narrar a minha jornada conceitual, acho bom começar respondendo a seguinte pergunta:

Importa mesmo diferenciar as duas coisas?


Bem, para começo de conversa, importa para mim. Gosto de entender melhor o significado das palavras para assim entender melhor o que se passa na cabeça dos outros na hora que vejo uma discussão grande sobre tais conceitos. Logo, quero saber o que é o que que é o que.

Seguindo essa linha, acho que é importante para quem quer entender melhor o que acontece no mundo dos games. Como vamos analisar e refletir sobre nosso hobby se sequer sabemos do que estamos falando? Aliás, acho que essa é outra grande importância na discussão toda, que é melhorar a comunicação. Se alguém começa a falar de DLCs como se fossem microtransactions e seu interlocutor responde tratando DLCs como, bem, não-microtransactions, fica difícil elaborar um diálogo produtivo.

Por fim, acho importante definirmos melhor esses dois conceitos para entendermos melhor a nós mesmos, enquanto grupo social com gosto similar, e porque odiamos tanto essas duas idéias. Pode até ser que, compreendendo melhor elas, passemos a odiá-las menos, ou assim consigamos encontrar algum outro alvo mais digno de nosso ódio.

Se esses motivos não são importantes o bastante para você, e essa minha divagação sobre o assunto parece ser uma grande perda de tempo, pare de ler este post e, por favor, compartilhe este texto com todos os seus conhecidos para que todos venham ver como eu perco tempo neste blog de visitação baixa.

Para quem preferir continuar aqui, vamos partir para uma mágica odisséia semântica em busca do conhecimento! Aproveite e compartilhe este texto com todos os seus conhecidos para eles também virem participar! Por favor!

Era uma vez uma Wikipedia…


Comecei no ponto de partida de toda e qualquer pesquisa que faço nas internets: Wikipedia.

De acordo com ela, DLCs são conteúdos adicionais para games que são distribuídos através da internet. As origens do DLC estão conectadas ao compartilhamento online de mods e mapas criados pelos próprios jogadores para jogos de PC, ou seja, os primeiros DLCs nasceram do trabalho de fãs para outros fãs, criando conteúdo para estender a vida útil dos seus games favoritos (já falei um pouco sobre mods antes, caso interesse). Mas, hoje em dia, separamos o conteúdo criado e compartilhado pelos usuários (user-generated content, UGC) do conteúdo criado pelas próprias desenvolvedoras, que pode tanto ser grátis como pode ser cobrado, e estes que são chamados de DLC e são deles que estou falando.

Na teoria, DLCs continuam tendo o mesmo espírito original: estender a vida útil do jogo. E algumas empresas realmente usam DLCs assim, como a Nintendo com Splatoon (não é um post meu sem eu citar Splatoon, eu realmente gosto de Splatoon, Splatoon é o máximo), a CD Projekt RED com Witcher 3 e a Yacht Club Games com Shovel Knight (outro jogo muito bom, quem não jogou ainda, vá jogar). Mas, infelizmente, temos diversas outras empresas abusando do sistema, seja com preços exagerados, seja com a prática de DLC no disco (também já falei um pouco disso). Por causa desses abusos, DLC virou uma palavra maldita para muitos gamers, mas eles se tornaram parte da indústria e da cultura dos games, e provavelmente vão continuar sendo até o final dos tempos. Sério, aceitem.

Isto é uma minigun que dispara tinta. E foi de graça. Splatoon é o máximo.

Exemplos de DLC, tirados tanto da Wikipedia como de jogos que tenho: campanhas, fases, side-quests, pistas (em jogos de corrida), personagens, armas, equipamentos e skins (variações puramente estéticas de elementos do jogo, como uma roupa diferente para um personagem, por exemplo).

Agora, vamos para microtransactions. De acordo com a Wikipedia, não é exatamente um conteúdo, mas um modelo de negócio e monetização em games, onde os jogadores podem comprar produtos virtuais através de micropagamentos (pagamentos em quantias baixas). São mais comuns em jogos grátis (free-to-play, ou F2P), mas podem existir em jogos pagos, como o supracitado MGSV:TPP.

Microtransactions possuem uma fama ainda pior que DLC, principalmente porque muitas desenvolvedoras elaboraram planos de monetização que apelam para fraquezas psicológicas dos jogadores, abusando de um comportamento de vício para aumentar o lucro. Mas, assim como DLCs, já se tornaram parte da indústria e provavelmente vamos ter que conviver com eles eternamente. Apesar de que eu já ouvi um desenvolvedor em algum podcast(não lembro qual, faz tempo) falar que, se algum governo em algum momento decidir que sistema de microtransaction faz com que esses games se qualifiquem como jogo de azar, principalmente por levar ao vício, ia ser um desastre astronômico para a indústria F2P, pois esses jogos poderiam ser proibidos em diversos países, incluindo o Brasil.

Exemplos de produtos compráveis através de microtransactions tirados da Wikipedia e de experiências pessoais: dinheiro virtual, cheats, facilitadores, energia para jogar mais, tempo da sua vida (tipo “isto vai demorar 24 horas para ficar pronto, mas você pode pagar para ficar pronto agora”), personagens, armas, equipamentos e skins (variações puramente estéticas de elementos do jogo, como uma roupa diferente para um personagem, por exemplo).

Ok. Temos um problema. Não sei se deu pra perceber.

Certos exemplos de DLC e de produtos compráveis através de microtransactions são os mesmos. Então, qual é exatamente a diferença?

Não, sério, qual é a diferença?


Muito bem, a diferença está meio óbvia: um é um tipo de produto virtual (DLCs) e o outro é um sistema de monetização (microtransactions). É como se eu estivesse comparando pão com cartões de crédito: um é um produto que eu compro na padaria e o outro é o método que uso para fazer a compra. Não sei se esse exemplo funcionou. Acho que ele funciona melhor se eu parcelar o pão, e fizer a comparação entre o pão e pagamento parcelado a prazo.

Acho que essa comparação vai fazer mais sentido quando lançar DLC para este jogo.

Ao considerarmos essa definição, tudo o que compramos com microtransactions são DLCs. Essa lógica até faz sentido, afinal de contas estamos fazendo uma transação de um valor “micro” (eu vou voltar para essas aspas depois) de dinheiro para obter um produto virtual que será baixado através da internet para o meu jogo.

Só que eu ainda não estou muito satisfeito com essa definição, principalmente porque quando vejo outras pessoas usarem os dois termos, eles me parecem algo mais. Digamos assim: eles trazem consigo uma bagagem que extrapola essa definição, que faz microtransactions parecerem mais que só um sistema de monetização e DLC parecer mais que só conteúdo extra que baixamos pela internet.

Por isso, comecei a buscar explicações alternativas para entender melhor a diferença entre eles. Ou, pelo menos, porque eles se parecem tanto mas são diferentes.

Caçando pelo Google, uma definição que vi sendo usada é que DLC envolve um elemento permanente, enquanto que microtransaction envolve um elemento temporário. Comprar um personagem que ficaria habilitado eternamente para você poder usá-lo no jogo seria um DLC e comprar energia para você poder jogar de novo uma fase seria uma microtransaction. É uma explicação muito boa, mas, ao mesmo tempo, vejo inúmeros elementos permanentes sendo tratados como microtransactions, principalmente personagens e skins alternativas em jogos mobile. Se bem que, se o que quebra essa definição são personagens e skins, podemos simplesmente parar de tratá-los como microtransactions e chamá-los de DLC. Para mim, faz sentido, resolve bem o problema.

Mais ou menos.

Que aí temos outras compras permanentes que podemos fazer e que são tratadas como microtransactions. Por exemplo: pagar para deixar um jogo ad-free. Ou pagar para sumir com o sistema de energia e deixar o jogo livre para ser jogado a hora que quiser. São elementos permanentes e não são considerados DLCs, mas microtransactions. Eu, pessoalmente, não considero isso DLC. É mais próximo de um resgate de uma refém, a nossa paciência, que de um DLC. Até porque não baixamos nada, só destravamos algumas coisas.

Levando isso em conta, podemos então chamar DLCs de “bens virtuais com análogos no mundo real”, enquanto que microtransactions seriam “atalhos e facilitadores dentro do jogo.” Roupa de férias do Sagat em Ultra Street Fighter IV? DLC. Algumas rodadas a mais na fase 33 de Candy Crush? Microtransaction. É boa? Faz mais sentido essa definição?

Não muito, que eu acabei tirando fases e campanhas de DLC e transformando-as em… nada. Ok. E também tem a questão dos “Fatalities fáceis” de Mortal Kombat X (lê-se mortal combatécs). É um DLC ou uma microtransaction? É vendido como DLC, mas tem esse baita cheiro de microtransaction. E dinheiro dentro do jogo? Diversos jogos disponibilizam a opção de comprar dinheiro diegético, isso é um tipo de DLC ou de microtransaction? Que não deixa de ter um análogo no mundo real (pensem em casas de câmbio) e não deixa de ser um super-facilitador dentro do jogo.

Considerando agora esses novos fatores, talvez possamos deixar a definição mais assim: DLCs são “bens e elementos virtuais que visam expandir a experiência do jogo” enquanto que microtransactions seriam “elementos e opções que buscam facilitar ou agilizar a experiência do jogo”. Sim, estou basicamente resumindo microtransactions como “pague pelo modo fácil”. Nessa, os Fatalities fáceis e dinheiro diegético se tornam microtransactions e fases e campanhas voltam a ser DLCs. E comprar a versão ad-free ou sem energia de um jogo, pelo menos para mim, se qualificam mais como facilitadores do que como estendedores do jogo, classificando-os como microtransactions.

Tendo chegado até aqui, existe outra coisa que me incomoda, que é a questão dos preços.

Microtransactions, teoricamente, envolvem micropagamentos. Valores baixos. Mas, obviamente, não é mais o caso. E existem DLCs dos mais variados preços, inclusive de graça. Será que deveríamos envolver os preços na hora de definir se uma coisa é um DLC ou uma microtransaction? Acho que não, mas a morfologia de microtransaction acaba envolvendo, em certo grau, os preços em sua definição.



Eu não sei mais aonde eu estou querendo chegar com essa divagação toda. Acho melhor concluir o texto.

Conclusão


Quanto mais eu penso, mais eu chego à seguinte conclusão: no fundo, nem os desenvolvedores, nem os jornalistas de games, nem os analistas, nem os gamers e nem mesmo os monges tibetanos sabem exatamente a diferença entre microtransactions e DLCs. Basicamente, essas duas palavras são usadas a torto e direito sem definições fixas, às vezes como sinônimos, às vezes como dois conceitos separados. No fim, a Wikipedia provavelmente tem a melhor explicação: DLCs são conteúdo e microtransactions são um sistema de monetização.

Só que tem uma outra coisa que eu percebi enquanto refletia sobre tudo isso: DLCs estão mais ligados a games core/de console e microtransactions mais ligadas a games casuais/mobile, e eu acho que é daí que vem o ódio extra que microtransactions possuem em relação aos DLCs. Imagina, o próprio termo “sistema de monetização” é algo considerado parte de jogos casuais.

Por isso que muita gente está com raiva de MGSV:TPP ter microtransactions. Não é somente o fato de que a Konami está querendo manipular os jogadores a gastar mais, mas que ela ousou conspurcar uma das séries mais tradicionais e core de games com um elemento de jogos casuais. A pergunta que fica é se essas mesmas pessoas iriam estar tão irritadas se tivessem chamado isso de DLC ao invés de microtransaction.

Só que aqui chegamos num detalhe muito importante: não é porque uma coisa nasceu com jogos casuais que ela é inerentemente pior ou ruim. Ela só é.

Essa talvez seja a principal questão em relação a esses dois conceitos: eles simplesmente são. DLCs e microtransactions não são intrinsecamente bons nem ruins, eles só são. Imagina, se pegarmos os propósitos originais deles, expandir a vida útil de um jogo e melhorar a renda de um desenvolvedor sem aumentar o preço inicial do jogo, eu acho que são coisas boas (desenvolvedores merecem dinheiro, não discutam isso agora, outro dia volto no assunto).

O problema são aqueles que abusam do sistema. Preços injustos e manipulação de fraquezas psicológicas dos jogadores são coisas inerentemente ruins e merecedoras da nossa raiva gamerzística.

Acho que é isso, no fim: se você está com raiva só porque um jogo tem DLC ou microtransactions, respire fundo e analise a situação. Se o DLC e as microtransactions possuem um preço justo. Se a dificuldade do jogo é usada para nos forçar a gastar mais. Se o conteúdo comprado não quebra o balanceamento de um jogo multiplayer (o infame pay-to-win). Se o jogo não está tentando usar nossas fraquezas para pegar nosso dinheiro. Se não há um conteúdo que nós já pagamos bloqueado atrás de uma nova barreira financeira. Se o jogo não está sendo entregue incompleto só para cobrar mais depois.

Eu sei que é difícil saber essas coisas, mas tente entender melhor a situação antes de sair reclamando. Pode ser que tenha algum lado da questão que você não viu.

Mas, se depois de muito refletir e conversar com outros sobre um DLC ou uma microtransaction você ficar com a nítida certeza de que as empresas envolvidas no jogo estão te desrespeitando e te tratando como um idiota, aí sim você pode ir xingar muito no Twitter e despejar sua raiva flamejante nas internets, que escrotice não é nem deve ser algo aceitável.

Estou olhando para você, Konami. #FucKonami

Links


• Here's How Payments in Metal Gear Solid 5's Online PVP Mode Will Work (Gamespot)

MGS 5: The Phantom Pain's multiplayer is not behind a paywall (PC Gamer)

Fee 2 Pay (The Jimquisition)

• 5 Reasons I Lost $9,000 On An iPhone Game (Cracked)

• The Witcher 3 gets free downloadable content program as dev attacks predatory DLC (Polygon)

19 de agosto de 2015

Sobre até onde uma empresa tem controle sobre seus funcionários

O assunto deste post surgiu por causa de assuntos ligados à industria de games, mas eu sinto que ele tem mais a ver com o meu blog pessoal, só que, ao mesmo tempo, acho que o assunto é interessante para o blog de games. Solução: postá-lo nos dois. Porque os blogs são meus e eu faço o que eu quero com eles, e eu sou um preguiçoso que não quer pensar em outro assunto para o blog de games nesta semana.

De qualquer maneira, o assunto de hoje nasceu por causa de dois acontecimentos recentes: a matéria do jornal japonês Nikkei sobre as condições de trabalho na Konami e a demissão de Chris Pranger da Nintendo.

Sobre o primeiro caso, esta matéria da Nikkei trouxe à tona as péssimas condições de trabalho na Konami, onde os desenvolvedores são vigiados de maneira orwelliana, tendo praticamente todo passo seu observado e documentado dentro da empresa e até mesmo fora dela, e uma cultura da empresa de realocar funcionários que não considera mais tão úteis para funções braçais, como limpeza ou a linha de produção de máquinas de pachinko. Seguindo essa matéria, outros lugares fizeram investigações próprias, descobrindo mais, como o fato da Konami já ter entrado em contato com empresas que contrataram ex-funcionários para denegrir suas imagens (dos ex-funcionários, não dela mesma ou das outras empresas).

Não é bem um Big Brother, mas é Big e é quem a Konami usa para vigiar os funcionários.

Quanto ao segundo, a história é que Chris Pranger, um funcionário da Nintendo Treehouse, a divisão da Nintendo of America que cuida da tradução de jogos, foi demitido após ter participado de um podcast chamado Part-Time Gamers. Não se sabe ao certo se foi simplesmente o fato dele ter ido ao podcast ou se foi alguma coisa específica que ele falou que levou à demissão, mas teorias é o que não falta por aí. Mesmo eu tenho a minha, que o que pegou com a matriz da Nintendo, no Japão, foi ele ter falado do Masahiro Sakurai, diretor de Smash Bros e criador de Kirby, como se ele fosse uma diva, por mais que ele (provavelmente, baseado no que já li) seja uma.

Estas duas histórias são semelhantes não apenas por envolverem empresas japonesas de games, mas porque elas giram em torno de algo que sempre me deixou pensativo: o quanto empresas podem/devem confiar nos funcionários, principalmente em relação à quantidade de informação detida por eles. É uma paranóia corporativa, um medo por parte das empresas de que seus funcionários as traiam e divulguem todos os seus segredos para o mundo, o que criou essa cultura de Acordos de Confidencialidade, ou Non-Disclosure Agreements, como é chamado em inglês (vou me referir a eles como NDAs daqui pra frente, por preferir a sigla em inglês).

Quanto mais eu pensava sobre esses dois episódios e sobre meu histórico como funcionário, mais eu não chegava à conclusão nenhuma. Por isso, resolvi escrever sobre o assunto, tanto para ver se eu descubro algum desfecho satisfatório na minha cabeça quanto para ver se alguém me ilumina quanto à questão (em outras palavras, comentem).

Porém, antes de começar, para variar um pouco, quero deixar claro sobre o que eu não estou falando aqui: isto não é sobre leis trabalhistas, isto não é sobre abuso de poder e bullying emocional em ambientes corporativos, isto não é sobre cultura empresarial que foca em competição e que transforma a vida dos funcionários em um inferno e isto não é sobre “o capitalismo é assim e ponto”. Talvez eu comente um pouco esses assuntos, mas eles não são o foco deste post (pelo menos eu acho que não).

Vamos lá, então?

Controlando a informação


Acredito que existam dois motivos principais para as empresas ficarem paranóicas com vazamento de informações.

O primeiro, e mais óbvio, é medo de que concorrentes conheçam segredos industriais e assim consigam copiar e lançar o mesmo produto antes. Ou, pior ainda, lançar uma versão melhorada. Ou, no pior dos piores dos casos, eles consigam patentear antes.

Por isso, faz sentido as empresas quererem proteger tais informações. Daí a marcação pra cima dos funcionários, tudo para proteger o mojo, baby. Simples assim, nem sei o que mais acrescentar.

Só que, nos dias de hoje (toda vez que alguém usa a expressão “nos dias de hoje”, além de demonstrar um vocabulário pobre, a pessoa fica parecendo uma velha), existe um segundo motivo, tão grave quanto o primeiro: perder o controle da informação e “queimar” o produto no mercado (até já falei mais ou menos disto antes).

Estamos vivendo numa era de hype, spoilers e facilidade de acesso à informação, então é do interesse das empresas informar os consumidores num ritmo calculado, tanto para eles não esquecerem que o produto existe como para que não desistam dele antes mesmo do lançamento, seja por ficar de saco cheio de tanto ser bombardeado por propagandas quanto por saber que no final tudo era um sonho exibicionista do Coisa, e que ele sempre quis andar pelado por aí. Um exemplo bom é com trailers, tanto de filmes quanto de games: há um planejamento forte quanto à data de lançamento de cada trailer e o que cada trailer vai revelar, justamente para que o filme/game fique na mente das pessoas, e quanto mais próximo do lançamento, mais “lembretes” a empresa manda.

Por isso, quando uma informação vaza, seja por causa de um funcionário, seja por causa de um consumidor com um celular, todo o plano vai por água abaixo, e as empresas menos competentes ficam de mimimi enquanto que as mais espertas tentam usar isso a seu favor.

De qualquer maneira: as empresas querem manipular a informação ao máximo e qualquer furo no plano é um stress desgraçado, por isso é preciso garantir que a ela não vaze.

Em última instância, esses dois motivos giram em torno de garantir um mercado para o produto, seja evitando que a concorrência roube consumidores em potencial, seja evitando que os próprios consumidores percam o interesse. E, sem um mercado, a empresa corre o risco de falir. E falência é ruim.

Como os funcionários são aqueles que mais informações detêm sobre o produto, é preciso encontrar um meio de impedí-los de vazar essas informações. Daí a existência de NDAs e a marcação toda sobre o que eles fazem na internet e com quem eles conversam.

Só que tem hora que isso passa dos limites.

Controlando os funcionários


Eu não sei como falar isso sem ser constatando aquilo que era para ser o óbvio: não é para as empresas ficarem tratando os empregados como se eles fossem propriedade delas. Ou melhor, vamos refrasear isso assim: é para as empresas tratarem os funcionários como seres humanos. Ponto.

Pikmins, em compensação, podem ser destratados e abusados à vontade.

Portanto, essa coisa da Konami de ficar vigiando a vida dos empregados e querendo controlar cada santo passo que eles dão é um absurdo. Acho que esse é um dos motivos para existirem leis trabalhistas: evitar que o trabalhador vire um escravo. Mas, como já disse antes, não vou discutir essas leis, até porque elas variam de país para país, e é bem possível que tudo o que a Konami fez esteja dentro da lei japonesa. Sem contar que não sou advogado nem nada parecido.

Ao mesmo tempo, acho que as empresas estão no direito delas de exigir sigilo dos funcionários. Afinal, como já expliquei antes, é importante para elas controlarem a informação.

Só que aqui está a parte que muitas empresas não entendem: também é do interesse dos funcionários que essas informações continuem sigilosas. Elas podem influenciar o sucesso do trabalho ou mesmo o futuro do emprego deles.

Quero dizer, é do interesse deles se eles entendem a importância delas.

Que eu acho que esse é outro grande problema: uma falta de alinhamento entre o que a empresa e o que o funcionário acha importante ser sigiloso. É o que me pareceu que aconteceu no caso do Chris Pranger: a Nintendo começou a dar mais liberdade para os empregados, ele achou que tudo bem falar certas coisas num podcast, só que não era. Faltou deixar mais claro para ele o que podia e o que não podia ser dito, assim como faltou da parte dele ir perguntar para os chefes se tudo bem ele ir num podcast.

Aliás, essa é outra coisa complicada, pois ele devia ter que pedir permissão, como uma criança, sobre o que ele pode ou não pode fazer? Como envolve a mídia, quero dizer que sim, mas como alguém que quer confiar mais nos seres humanos e quer tratar outros adultos como pessoas responsáveis, quero dizer não. No final das contas, acho que a resposta correta é que ele devia ter pedido orientação. É diferente de permissão, porque ir ou não é algo que ele deve decidir, mas como ele estaria representando a empresa e não é alguém da área de relações públicas, seria do interesse dela orientá-lo sobre o que ele poderia ou não falar.

No final das contas, tenho a impressão que tudo volta a uma coisa que nunca entendi direito: esse antagonismo entre a empresa e seus empregados, que muita gente, tanto chefes quanto funcionários, gostam de cultivar, como se fossem inimigos mortais que estão em guerra.

A não ser que seu chefe seja este cara. Sério, ele te contrata
para dominar o mundo e te dá um Zubat. Level sete. WTF. 

Agora que vou escancarar os anos que passei trabalhando com comunicação corporativa, treinamento de gestão e e-learning, mas eu realmente acredito que, numa empresa, todo mundo é um profissional responsável cumprindo uma função combinada, e se alguém falta com suas responsabilidades, seja o chefe atrasando salário (coisa que já passei), seja o funcionário que faz tudo de qualquer jeito e sobra para os outros consertarem (coisa que também já passei), é para resolver o problema com o indivíduo em questão, e não rotular todos como “o inimigo”. E estou falando tanto dos funcionários que tratam todos os chefes como escrotos que só querem ferrá-los como dos chefes que encaram todos os funcionários como vagabundos que só querem sugar o dinheiro da empresa.

E, antes que pareça que estou propagandeando aquela visão cor-de-rosa de gestão onde todo mundo veste a camisa e faz parte da família e sei lá o que mais, estou falando de uma visão mais mercenária e “honrada” do mundo mesmo: se existe um acordo com recompensa financeira e um contrato, é para cumprir com ele porque é assim que pessoas responsáveis e legais devem agir, e é para nos tratarmos como pessoas responsáveis e legais. Se alguém é irresponsável e/ou escroto, aí a gente muda de postura, mas só com o irresponsável escroto, e não com todo mundo.

Já estou ficando redundante de novo mais uma vez, repetindo a mesma idéia com palavras diferentes. Acho melhor concluir logo a coisa toda.

Conclusão


Até onde uma empresa pode controlar a vida dos funcionários?

A resposta ideal seria “nenhum lugar, não é para empresa nenhuma se meter na vida dos funcionários e ponto.”

Mas nós não estamos no mundo ideal, então a melhor resposta que consegui chegar enquanto escrevia isto é: “depende de acordo com o que for combinado entre a empresa e o funcionário, e ambas as partes tem que saber o que é e o que não é importante para cada uma e assim determinar quais informações podem ou não podem sair da empresa.”

Gostaria de acrescentar também um “e também não é para ser escroto.” Óbvio.

E, só para voltar para os dois acontecimentos que me levaram a escrever tudo isto, do modo como enxergo, a Konami está sendo escrota com os funcionários e o Chris Pranger e a Nintendo não souberam se comunicar, levando a uma decisão drástica. Infelizmente, acontece. Tanto as decisões drásticas quanto as empresas escrotas.

Links


Report: Konami Is Treating Its Staff Like Prisioners (Kotaku)

• Sources: When You Work At Konami, Big Brother Is Always Watching (Kotaku)

• The Silent Hell That Is Konami (The Jimquisition)

• Nintendo Fires Employee For Speaking On Podcast (Kotaku)

• Talking Point: Nintendo's Dismissal of Chris Pranger Highlights Issues With Company Culture (Nintendo Life)

• No, the gaming industry isn't too secretive (Polygon)

12 de agosto de 2015

Sobre Picross e pixel art

Hoje vou falar sobre uma das minhas séries de puzzle favoritas, ao lado de Tetris e Puzzle League: Picross. Não apenas ela possui uma lógica muito legal e desafiadora, como ela também me fez apreciar mais pixel art, e este vai ser o foco deste post. Portanto, vamos começar com uma pequena avaliação:

Picross (série)



Desenvolvedora: Jupiter. Estarei focando nos Picross feitos pela Jupiter e publicados pela Nintendo, mas existem diversos outros jogos de Picross para diversas plataformas com diversos nomes, e mesmo versões no papel (ele nasceu como um puzzle no papel, mais pra frente conto a história dele). Acredito que a minha análise sirva para qualquer versão de Picross, com a exceção de Picross 3D para o DS, que considero um jogo à parte, com uma lógica própria (mas isso não significa que ele seja pior que os Picross 2D, muito pelo contrário, é legal pra burro, se puderem jogá-lo algum dia, joguem).

Jogos que joguei e respectivas plataformas:

Mario’s Picross (Game Boy)

Picross DS (DS)

Picross e, e2, e3, e4, e5 e e6 (3DS) - Caso não tenha ficado claro, são seis jogos diferentes, cada um com puzzles exclusivos.

Apesar de eu achar que estão começando a ir meio longe para achar imagens novas.
Censurei o número do puzzle para não dar spoiler, só pra avisar.

Preços (na data deste post):

• Mario’s Picross: US$3,99 no Virtual Console do eShop do 3DS.

• Picross DS: Não faço idéia, é preciso encontrar o cartucho físico por aí, que ainda não lançou no Virtual Console. Boa sorte.

• Picross e, e2, e3, e4, e5 e e6: US$5,99 cada no eShop do 3DS.

Quesito avaliado: Capacidade de aumentar a apreciação de pixel art por parte do jogador.

O que é Picross? Comecemos com um pouco de perspectiva histórica: Picross é a versão Nintendo do Nonogram, um tipo de puzzle criado em 1987 por Non Ishida, uma designer gráfica japonesa. Após ganhar um concurso de “ilustrações criadas a partir de luzes ligadas ou apagadas num edifício”, ela se inspirou a criar um puzzle pictográfico baseado nas suas “artes de janelas” e publicou-os na revista onde trabalhava. Numa daquelas estranhas coincidências históricas, Tetsuya Nishio, um criador de puzzles profissional, havia inventado exatamente o mesmo jogo e publicado em outra revista.

De qualquer maneira, os Nonograms se popularizaram no Japão e mais tarde no ocidente, principalmente no Reino Unido. Aproveitando a febre em torno do puzzle, a Nintendo criou sua versão, nomeando-a Mario’s Picross e lançando-a para o Game Boy em 1995 ao redor do mundo. O jogo foi um sucesso no Japão, mas fracassou no ocidente, onde não foi muito bem recebido nem pela crítica (um crítico chegou a afirmar que o jogo o fazia pensar demais, e isso cansava seu cérebro) (sério) (muita vontade de fazer um comentário desagradável sobre a inteligência média americana, mas melhor não) nem pelo público. Isso levou a Nintendo a manter a série presa em terras japonesas por doze anos, até o lançamento de Picross DS em 2007, quando Picross retornou e encontrou um público cativo por aqui, como eu, comprei todos os Picross lançados desde então, nossa, como eu adoro Picross. Picross, Picross, Picross.

Como se joga Picross? Então. É difícil de explicar sem ser jogando. A página da Wikipedia até tenta, quem quiser vai lá ver. Nos jogos da Jupiter/Nintendo tem tutoriais e a dificuldade das fases cresce num ritmo lento, facilitando o aprendizado. De qualquer maneira, vou fazer uma versão simplificada com algumas imagens e sem as técnicas mais avançadas, o que faz o jogo parecer ou ridiculamente fácil ou bizarramente difícil.

Tudo começa com uma grade de quadradinhos em branco com um monte de números em cima e à esquerda.

Esses números indicam quantos quadradinhos pretos em seqüência existem em cada fileira ou coluna.

Você vai preenchendo os quadradinhos de acordo com o que você for deduzindo dos números…

…tanto os quadradinhos pretos quanto aqueles que ficam brancos, onde você põe um xiszinho (mais para facilitar a visualização do que ser obrigatório para terminar o puzzle),…

…até formar a imagem. No caso, é um narwhal, narwhals, swimming in the ocean, causing a commotion, coz they are so awesome! (eu fui fazendo este puzzle e tirando os screens, eu não sabia o que ia formar no final, foi sem querer, mas agora estou com a música na cabeça e vou infectar vocês também).

Para quem é esse jogo? Num primeiro momento, parece ser um jogo só para pessoas que gostem de números e desafios de lógica, ou seja, gente que nem eu. Ficar contando quadradinho e deduzindo onde colocar cor ou xiszinho é o que eu chamo de diversão pura.

Mas existe um outro tipo de gente que eu acho que pode vir a gostar de Picross: fãs de pixel art. Pois foi Picross que me fez apreciar mais pixel art.

Uma tecnologia primitiva?


Pixel art, assim como Picross, é uma coisa complicada de explicar para quem não entende.

Porque parece uma coisa “low-tech”.

Parece uma relíquia do passado, uma coisa que só foi criada porque era a única maneira que os computadores e videogames antigos conseguiam exibir imagens, uma arte que nasceu de uma restrição tecnológica, e que não faz sentido continuar existindo num mundo com gráficos HD e vetores e realidade virtual e sei lá o que mais.

Com vocês, o futuro dos games (contexto).

E, sendo bem sincero, por algum tempo também pensei assim.

Quem não ficou maravilhado na primeira vez que viu gráficos poligonais 3D? A primeira vez que viu o Mario ou o Sonic em 3D? A primeira vez que explorou Hyrule em 3D?

Para quem viveu essa transição dos games do plano 2D para o 3D, do pixel para o polígono, durante a geração Playstation - Nintendo 64 - Saturn (ou mesmo antes, com alguns jogos para PC), essa evolução foi um momento mágico, onde os games pareciam poder fazer qualquer coisa, graças à adição do glorioso eixo z.

Ou pelo menos foi assim para mim. Não posso realmente falar em nome de todo mundo.

A questão é: comecei a ver os gráficos 2D como algo primitivo. Velho. Menor. Para um jogo ser bom, era preciso ter gráficos 3D e muitos polígonos, quanto mais, melhor. Acho que até hoje muita gente pensa assim.

Agora seria a hora que eu falaria de como Picross mudou minha visão sobre pixel art, até para o texto ficar redondo e coerente.

Infelizmente, eu não planejo meus posts tão bem assim, e a verdade é que realmente me levou a mudar de opinião sobre pixel art foi o Game Boy Advance. Perceber como eu me divertia com jogos como Fire Emblem, Advance Wars, Castlevania e Golden Sun mudou minha opinião sobre jogos 2D com pixel art e sprites, que gráficos não são o principal fator para determinar a qualidade de um jogo.

Mas o GBA não foi o que me fez perceber o que faz pixel art realmente especial, essa honra fica com Picross.

Porque com Picross eu entendi a beleza da simplicidade e da abstração em torno de pixel art.

Impressionismo digital


Para variar, sinto que eu preciso começar com um adendo: não sou um grande entendido de arte… ilustrada? Pictográfico-estática? Imagético-analógica-não-narrativa? Enfim, estou falando de pintura, desenho e ilustração, artes 2D estáticas (em oposição à cinema e animação) que não são fotografia ou quadrinhos. Só estou fazendo essa separação por uma questão argumentativa, e não para desmerecer nenhuma das demais artes. Para facilitar o resto do texto, vou usar o termo “obra ilustrada” ou “arte ilustrada”. Outra coisa: toda vez que elogio pixel art, quero que vocês tenham em mente a expressão “quando bem feita”, que nem toda pixel art é boa, mas não quero ter que ficar ressaltando isso o tempo inteiro.

Voltando ao adendo: eu estudei arte e comunicação na faculdade (cinema, para ser mais específico), fiz cursos de desenho e quadrinhos e trabalhei com design e designers por muito tempo, mas ainda assim não me considero um expert para realmente avaliar a qualidade de obras ilustradas. Também não sou um grande entendido de história da arte. Por isso, tudo que segue sobre pixel art é apenas a minha opinião, sintam-se à vontade para discordar.

Pixel art, para mim, é impressionismo digital. Ou pelo menos o que eu entendo por impressionismo: uma arte ilustrada que foca no movimento e na impressão que temos daquilo que está sendo pintado do que necessariamente sua captação absoluta, fiel e estática. Traduzindo: obras impressionistas querem passar uma idéia, uma sensação, e não um retrato rigoroso e idêntico ao mundo real.

Eu acho que pixel art também caminha nessa direção, onde os artistas buscam uma redução e uma simplificação das formas para que o espectador possa entender a idéia com o mínimo necessário de detalhes e cores.

Vamos para o exemplo mais fácil: o Mario. Olha o bigode do Mario 8 bits.

Sim, meu bonequinho joinha é bem tosco, mas dá pra pegar a idéia.

Solto, é só uma forma geométrica genérica. Em outro contexto, parece um joinha. Mas, no contexto certo, parece um bigode. Sim, o bigode do Mario existe porque animar uma boca ia ser bem mais difícil, mas ainda assim, temos que admirar a capacidade do Shigeru Miyamoto em reduzir um bigode a alguns poucos pixels que ainda assim passam a idéia de bigode, a impressão de um bigode.

Para mim, isso é muito legal. Algo digno de admiração. Essa estilização, essa simplificação de elementos mas que ainda assim passam uma idéia, uma forma ou mesmo um sentimento, para mim isso é arte. Arte de verdade.

Assim voltamos para minha análise de Picross, onde respondo a pergunta:

Como Picross ajuda a entender melhor pixel art? Para jogar Picross, é preciso ter paciência e saber lidar com números e lógica. A parte puzzle dele é inteiramente focada nisso, se você tenta jogar buscando uma imagem, tentando encontrar o que vai ser desenhado, o jogo fica mais difícil. Nesse sentido, parece que a última coisa que o jogo ensina é como apreciar arte.

Mas é o processo de ir resolvendo cada problema lógico apresentado por cada fileira, cada coluna, onde vamos preenchendo cada quadradinho, como se estivéssemos fazendo pequenas pinceladas, ou empilhando tijolos sem saber qual o propósito deles ou mesmo qual vai ser o resultado final, e que, ao terminarmos o puzzle, quando conseguimos ver uma forma simplificada, uma idéia, pode até ser que você só consiga percebê-la quando ela fica colorida ou quando a vê reduzida ou animada, mas nesse momento, quando cada quadradinho preenchido se torna parte de um todo, é nessa hora que você entende melhor a beleza artística da pixel art.

Mais alguns exemplos de pixel art em Picross: o estegossauro, numa grade de 15x15 pixels,… 

…a bola e o cesto de basquete, numa grade de 10x10,…

…e o caracol, numa grade 5x5 (fica mais fácil de ver reduzido, coloquei aí no canto).

Pelo menos foi pra mim.

Perceber que cada quadradinho tinha um motivo para estar lá e assim passar uma idéia me fez perceber a sutileza e a genialidade da pixel art.

Conclusão


Pixel art nasceu da necessidade de criar imagens e animações dentro das limitações tecnológicas da época. Picross é um jogo de números e lógica. Estes são os fatos.

Mas pixel art não é apenas um estágio evolutivo da tecnologia. Ela é uma arte sim, uma arte fantástica que trabalha nossas percepções e impressões para criar obras ilustradas belíssimas. E Picross é um jogo que ajuda a entender melhor essa forma de arte tão pouco apreciada por aí.

Portanto, se você nunca parou para pensar em pixel art, ou como sprites de games eram criados, ou mesmo como formas visuais podem ser simplificadas para alguns poucos pixels, eu recomendo jogar Picross ou qualquer uma das suas outras versões. Você vai sair apreciando mais essa forma de arte.

E, se posso dar mais algumas recomendações, vou deixar nos links deste post quatro coisas sobre pixel art: o primeiro é um post de blog de um desenvolvedor sobre seu estúdio ter desistido de pixel art porque a maior parte do público não sabe apreciá-la, o segundo é a resposta de outro desenvolvedor afirmando que eles têm como obrigação manter essa arte viva e educar o público a entendê-la, o terceiro é o Kickstarter de um jogo que possui como objetivo ensinar a criar pixel art que parece muito interessante (eu sou um backer) e o quarto é o Pixel Joint, uma comunidade online de artistas de pixel.

Para finalizar, só queria falar mais uma vez: pixel art é legal. Picross também.

Links